A inclusão pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no último dia 13 de março, das tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e de Distribuição (TUSD) na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) traz mudança no cenário de energia elétrica no País e vai gerar impactos para consumidores grandes e residenciais. As principais federações representativas do comércio e da indústria do Rio Grande do Norte demonstraram preocupação com a inclusão, que vai encarecer a energia elétrica e serviços impactados. No Estado, segmentos de hotéis, shoppings, indústrias e hospitais devem ser os mais afetados devido ao alto consumo de energia.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-RN) disse respeitar a decisão do STJ, mas firmou discordância no tema. Para a entidade, as tarifas não deveriam ser incluídas no cálculo do ICMS. “Estamos cientes de que essa decisão tem um impacto negativo e de peso significativo sobre todos os contribuintes, de forma direta ou indireta, especialmente para o setor produtivo onde estão os grandes consumidores que adquirem energia elétrica diretamente das empresas geradoras. A inclusão das tarifas TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS aumenta, em mais de 20%, o custo da energia elétrica para esses consumidores”, disse Marcelo Queiroz, presidente da entidade.
“Até compreendemos que a decisão tem um impacto direto na arrecadação do ICMS que, neste caso, somente no Rio Grande do Norte, representa cerca de R$ 300 milhões por ano, segundo informações da própria Secretaria de Fazenda do Estado. Porém, não podemos esquecer que, no RN, segmentos como shoppings, hotéis, hospitais e indústrias, na condição de maiores consumidores de energia elétrica, tendem a ser mais fortemente afetados”. A decisão é considerada uma vitória para os estados brasileiros, que estimam arrecadar R$ 35 bilhões por ano.
O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern), Roberto Serquiz, reforça que o posicionamento afeta toda a cadeia produtiva. “Uma decisão arrecadatória, que reverte um posicionamento histórico, cujo entendimento era de que não havia ato de negócio ou circulação jurídica de mercadoria. Esse julgamento vai envolver grandes consumidores de energia, como hospitais, shoppings e indústrias, que terão um aumento considerável na tributação e, consequentemente, da conta de energia elétrica. Essa decisão afeta toda a cadeia de maneira direta e indireta”, assevera.
As tarifas TUST e TUSD são custos cobrados pelas concessionárias de energia elétrica para remunerar o uso de suas redes de transmissão e distribuição. Elas são valores adicionais cobrados na conta de energia elétrica, além do valor referente ao consumo efetivo de eletricidade. “É a tarifa que a gente paga pelo uso da rede, onde circula a energia”, explica Aline Bagesteiro, diretora jurídica e de Gestão da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace Energia), instituição que é contrária à cobrança.
“Diversos encargos são incluídos dentro dessa tarifa, que são cobrados por meio dela, mas a tarifa é o que a gente paga pelo fio. Se pegar um grande consumidor que não é cativo da distribuidora, ele contrata separado a energia do fornecedor e contrata, com a transmissora ou distribuidora, o uso da rede dela e ele paga por meio dessas tarifas: a TUSD e a TUST”, acrescenta Bagesteiro. Ainda segundo a especialista, a inclusão das tarifas no ICMS vai afetar consumidores residenciais e grandes clientes, como indústrias, hospitais e shoppings.
‘Cobrança afetará a competitividade’, diz Anace
O assunto ‘tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e de Distribuição (TUSD)’ é discutido nos tribunais desde 2017 e a cobrança é motivo de muitas ações de clientes, que acionam a Justiça para não pagar as taxas. O tema é considerado como “repetitivo” no STJ, isto é, de aplicação obrigatória nos demais tribunais, com exceção do Supremo Tribunal Federal (STF). Desta forma, com a decisão recente do STJ, os consumidores que possuem decisão favorável para não pagar o imposto, serão obrigados a arcar com as tarifas de TUST e TUSD.
“O posicionamento inicial era de que não incidiria ICMS, mas o STJ passou a ter uma visão de que incide o imposto sobre essas tarifas. Para o contribuinte é muito ruim porque vai onerar as tarifas, é uma decisão que tem uma visão de mercado distorcida porque quando estamos falando da prestação desse serviço de uso dos sistemas de distribuição e transmissão nós não estamos falando sobre mercadoria. Não havendo mercadoria não deveria incidir ICMS”, comenta Bagesteiro.
Assim como a Abrace Energia, a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) também se posicionou contrariamente e disse enxergar com preocupação a decisão do STJ. Na avaliação do órgão, além de elevar os custos com a operação de energia elétrica, a cobrança deve afetar a competitividade das empresas, em uma espécie de reação em cadeia, pressionando os preços de produtos e serviços utilizados pela população. Para a Anace, a deliberação no STJ foi “pautada pelo assombro da perda da arrecadação dos valores”, sem considerar questões técnicas relevantes para o setor.
“A deliberação afetou outras decisões da Justiça que haviam acatado liminares de consumidores para não pagar essa parcela do ICMS. Tais liminares foram baseadas na tese de que o transporte de energia – tanto a distribuição como a transmissão – não constituía base de incidência da circulação por se tratar de disponibilidade de infraestrutura para o recebimento da energia. A associação vê com preocupação o fato de a decisão determinar a incidência do imposto para todo o fornecimento de energia elétrica, em particular no caso das empresas que não se creditam dos valores pagos”, disse comunicado da Anace.
“Além de afetar diretamente a competitividade das empresas, a medida deve pressionar os preços dos produtos e serviços usados por todos os brasileiros”, acrescenta nota da Anace enviada à reportagem da TRIBUNA DO NORTE.
A reportagem da TN tentou contato com a Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Norte (Sefaz) e com o titular da pasta, Carlos Eduardo Xavier, mas não houve resposta até o fechamento desta edição. Em publicação no site oficial, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), que é presidido por Carlos Eduardo Xavier, destacou a decisão do STJ. “A decisão tem grande impacto sobre as contas públicas. Segundo estimativa de cálculo do Comsefaz, o entendimento evita uma perda anual para os estados de R$ 35 bilhões”, disse.